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A Era da Pós-idade no Varejo

Por que entender o consumidor de hoje exige abandonar rótulos etários e construir vínculos mais humanos, emocionais e contextuais.


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Um espelho antigo, herdado de família, exibe suas rachaduras como cicatrizes do tempo. Nele, o reflexo não pertence a uma só pessoa, mas a uma sucessão de rostos: avós, filhos, netos, todos sobrepostos em um mesmo brilho fragmentado. Assim é o consumidor contemporâneo: uma colagem viva de épocas, gostos e experiências. Ainda assim, o varejo insiste em vender espelhos lisos, emoldurados por estereótipos etários.


A obsessão por segmentar o mercado por gerações (Z, Y, X, Boomers, Alfas) tornou-se uma armadilha confortável. Rótulos dão a sensação de controle, mas a realidade escapa por entre os dedos. Em um mundo onde uma avó posta reels de skincare e um adolescente cultiva bonsais offline, o tempo não é mais linear. É líquido, remixado, remixável.

Estamos diante do fim da era da segmentação etária. E o começo de quê?



A Pós-idade do Varejo

Recentemente um relatório do WGSN intitulado “Brand Strategy: Multigenerational Selling” escancarou um paradoxo: enquanto marcas tentam capturar o “consumidor ideal” com base em faixas etárias, o próprio consumidor já se deslocou para além desses marcos. Mauro Guillén, no livro The Perennials, aponta que o tempo cronológico perdeu sua soberania e, com ele, as ideias fixas de juventude, maturidade e velhice.


O novo consumidor não pertence a uma geração. Ele navega por entre elas.

É uma mulher de 60 anos testando realidade aumentada no espelho da Sephora. Um garoto de 14 apaixonado por vinil. É o avô que compartilha playlists com a neta no Spotify. A idade virou um dado secundário. O que une essas pessoas são valores, experiências e desejos (não o ano em que nasceram).


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Enquanto o consumidor opera em 5G emocional, muitas marcas ainda processam seus públicos como se estivessem num disquete: lento, compartimentalizado, rígido. “Millennials gostam de X, Boomers compram Y.” Essa lógica empobrece a estratégia e aliena a realidade.


Mas há quem esteja sintonizado com a frequência fluida do agora.


Veja o caso da New Balance. Antes vista como a marca dos “tênis de pai”, ela ressignificou seu ícone retrô através da colaboração com labels como Aimé Leon Dore, tornando-se cult entre Geração Z, sem perder o apelo entre os mais velhos. O resultado? Um produto que não é “para jovens” ou “para maduros” — é para quem se identifica com sua estética e valores.


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Ou então a Lululemon, que se aliou à Disney para evocar a nostalgia como estratégia transversal de conexão. Porque no fim das contas, a lembrança de um filme que marcou infância é um lugar onde todos se encontram, independentemente da certidão de nascimento.



O Terceiro Espaço: Onde as Gerações se Tocam

Muito além de ponto de venda, o varejo precisa se tornar ponto de encontro. Espaços de convivência onde os consumidores não sejam separados por categorias, mas unidos por experiências.


Crocs entendeu isso com sua loja-conceito Icon, em Nova York. Um espaço generoso, lúdico e aberto, onde adultos e crianças compartilham a mesma curiosidade. Já a Starbucks, em Istambul, foi além do café para criar uma Loja Comunitária intergeracional com workshops para jovens aprendendo com mais velhos — um mercado que se comporta como uma aldeia.



Essa é a verdadeira disrupção: transformar a loja em praça pública emocional.


Em tempos de hiperpersonalização digital, talvez o desafio maior do varejo físico seja criar rituais significativos. Não estamos falando de experiência como espetáculo, mas como vínculo. E vínculo se constrói no detalhe: no atendimento que reconhece a complexidade de cada consumidor, na disposição dos produtos que conta uma história plural, no cheiro do espaço que remete a memórias partilhadas.


É aqui que o papel do vendedor ou, como preferimos pensar, o mediador de identidades, volta à cena. Ele não é mais apenas um especialista em produto, mas um tradutor simultâneo de valores multigeracionais. Ele precisa entender que aquele cliente de 17 anos que escolhe um perfume vintage está, talvez, tentando resgatar a memória olfativa do avô.

A pergunta é: o varejo está treinando seus times para esse tipo de escuta?



Dados, Mas com Alma

O relatório aponta que 60% dos varejistas ainda não se sentem preparados para usar IA de forma estratégica. Não é à toa. A tecnologia sem sensibilidade pode facilmente reforçar os mesmos estereótipos que tentamos superar.


60% dos varejistas ainda não se sentem preparados para usar IA de forma estratégica

Mas a tecnologia certa, com a pergunta certa, pode abrir portais de entendimento. Imagine um algoritmo que não apenas cruza faixa etária e ticket médio, mas que mapeia estados emocionais, arquétipos de estilo e momentos de vida. Imagine usar IA não para categorizar, mas para personalizar de verdade.


Porque personalizar não é colocar o nome na embalagem. É reconhecer a história no olhar.



O Novo Privilégio: Pertencer

Talvez estejamos entrando na era da pós-relevância etária. Onde o maior luxo não é o acesso exclusivo, mas o pertencimento inclusivo. Uma marca que consegue fazer com que uma mãe e uma filha encontrem produtos e significados diferentes na mesma loja, ao mesmo tempo, criou algo raro: um espaço com múltiplas camadas de identidade.

E isso vale ouro.


Em um mundo cansado de segmentações, o futuro do varejo pode estar na costura invisível entre as gerações. Na coragem de abandonar os manuais e escrever um novo roteiro, onde a idade é só um detalhe no rodapé da narrativa principal: quem somos quando estamos juntos.


Voltando ao espelho do início… talvez a missão do varejo contemporâneo não seja mais polir sua superfície, mas quebrá-lo. Não para destruí-lo, mas para transformá-lo em um prisma. Porque só o prisma, com suas múltiplas faces e reflexos, é capaz de revelar a verdadeira luz de uma sociedade em transição.


No fim das contas, vender para todas as gerações não é falar com todos ao mesmo tempo. É criar um espaço onde cada um se reconheça. Não em sua idade, mas pelo que se é.


E se o varejo tiver a ousadia de fazer isso, talvez descubra que o tempo, afinal, nunca foi o inimigo, mas apenas uma linguagem esperando ser traduzida.


 
 
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