O impacto do layering no mercado de fragrâncias
- Vimer Retail Experience

- 16 de out.
- 6 min de leitura
Se a maneira como as pessoas compram, usam e se relacionam com fragrâncias está mudando, como os espaços de varejo podem (ou devem) mudar também?

O perfume é uma das formas mais antigas de expressão sensorial e simbólica da humanidade. Cada borrifada é um pequeno ritual, um convite a descobrir camadas, nuances e histórias que se desdobram devagar na pele.
Até o nome “perfume” carrega história: vem do latim per fumum, que significa “através da fumaça”, lembrando os tempos em que essências eram queimadas em altares e templos. Com o avanço da tecnologia e das civilizações, técnicas que potencializassem o efeito e o aroma dos perfumes foram sendo desenvolvidas por inúmeras marcas.
A pirâmide olfativa (saída, coração e fundo) envolve a criação de uma harmonia entre os aromas – classificados em diferentes famílias olfativas – e um balanço entre a intensidade, projeção e duração da fragrância – de acordo com o seu propósito e a concentração de seus ingredientes. Cada uma dessas camadas evolui na pele ao longo do tempo e vão revelando diferentes aspectos conforme os ingredientes evaporam. Esse processo transforma o perfume em uma história que se desenrola com o tempo.
Hoje, com tantos aromas semelhantes, a necessidade de um perfume e de uma combinação únicos é cada vez mais buscada entre aqueles que querem evocar uma memória olfativa nos demais. Esse mix e match que influenciadores estão testando e especialistas comprovando está criando uma nova tendência: o layering.
Layering: de fato uma assinatura olfativa?

Não basta usar frequentemente uma fragrância para criar um “perfume assinatura”. A ideia de uma identidade olfativa fixa vem sendo substituída por combinações personalizadas, que traduzem o momento, o estilo e até o humor de quem as usa. É nesse contexto que o layering – a sobreposição de dois ou mais perfumes – ganha força como expressão de autenticidade.
Mais do que uma técnica, o layering reflete um novo comportamento: o desejo de construir uma assinatura própria, e não seguir uma identidade prescrita por uma marca. Cada combinação depende de fatores como a ocasião, o guarda-roupa e a intenção sensorial do usuário. A Geração Z, especialmente, se apoia nessa hiperpersonalização do instante, usando fragrâncias como forma de autoexpressão.
De acordo com uma pesquisa da Unilever com 2.000 pessoas , 29% dos entrevistados da Geração Z usam diversas fragrâncias, enquanto 56% compram fragrâncias que veem nas redes sociais sem cheirá-las
Nas redes sociais, especialmente no TikTok, o layering se tornou um ritual compartilhável: criadores mostram combinações, reações e “receitas” olfativas como se estivessem montando um look. Para a Geração Z, o perfume deixa de ser apenas um símbolo de status e passa a ser uma forma de expressão imediata. Essa lógica, movida pela experimentação e pela estética do momento, é o que redefine o papel das fragrâncias na cultura contemporânea.
Se antes as fragrâncias eram projetadas para refletir status e diferenciação, agora elas expressam humor, contexto e desejo de autenticidade. Segundo artigo do Business of Fashion, os consumidores estão explorando novas formas de compor cheiros, camadas e sensações que traduzem quem são (ou querem ser) em cada momento.
No entanto, o equilíbrio é essencial. Se a combinação não respeitar a estrutura e a pirâmide olfativa de cada perfume, o resultado pode ser uma confusão sensorial. Diferente de um perfume único, o layering não evolui de maneira linear: cada camada entra em cena em tempos distintos, exigindo sensibilidade para harmonizar intensidades e famílias olfativas.
Algumas marcas já entendem e incorporam esse comportamento. A Jo Malone, por exemplo, construiu todo o seu portfólio com fragrâncias pensadas para serem misturadas entre si. A marca também oferece uma ferramenta interativa, em formato de quiz, que ajuda o consumidor a descobrir combinações ideais entre perfumes e aromatizadores de ambiente, reforçando o papel do perfume como uma construção identitária e não mais como um produto de uso prescrito.
A Louis Vuitton, em 2024, lançou o conjunto The Pure Perfumes da Louis Vuitton como uma homenagem à tradição de camadas do Oriente Médio, que vem ganhando cada vez mais reconhecimento entre as marcas ocidentais após sua popularização global; a marca de nicho DS & Durga oferece o set "I Don't Know What Murder Mystery Layering Eau de Parfum Set", estrelado pelo perfume I Don't Know What, um "intensificador de fragrância" pensado para ser usado em sobreposição; e, em julho deste ano, a Chanel revelou seu Coco Mademoiselle Fragrance Primer, reforçando o interesse do mercado por novas formas de experimentar e modular o perfume.
No cenário brasileiro, a Natura lançou no ano passado a coleção de Eau de Parfum, com quatro fragrâncias portáteis que podem ser usadas individualmente ou combinadas entre si.
À medida que as marcas planejam seus cronogramas de lançamento, precisam considerar se o layering é apenas uma tendência passageira do TikTok, uma mudança cultural duradoura, como ocorreu no Oriente Médio, ou algo entre os dois. Assim como um perfume se revela em camadas, o consumidor também deve vivenciar o portfólio da marca como uma narrativa: explorando notas, famílias olfativas e combinações possíveis, e interagindo com a fragrância de forma ativa e memorável.
O varejo físico em meio às camadas

A tendência do layering, antes restrita ao ritual individual de sobrepor fragrâncias, começa a se traduzir também nos espaços físicos de varejo. Lojas de perfumaria passam a repensar sua função: tornam-se laboratórios sensoriais e espaços de experimentação, transformando o ato de escolher um perfume em uma experiência sensorial e emocional.
Em vez de replicar a prática do layering em si, marcas como a Rettre e a Oo La Lab capturam o espírito da tendência – o desejo por personalização, exclusividade e expressão individual. Ambas convidam o público a participar do processo criativo, explorando a coautoria entre marca e consumidor. A Rettre, por exemplo, utiliza ondas cerebrais para desenvolver fragrâncias alinhadas ao mood do momento, personalizando o aroma de acordo com o estado emocional de cada pessoa. Já a Oo La Lab oferece uma vivência quase alquímica: o cliente combina notas, descobre famílias olfativas e cria uma composição exclusiva, uma espécie de assinatura efêmera feita ali, no instante da descoberta.
Esse tipo de interação transforma a compra em um gesto de expressão pessoal e de construção de memória. O cliente deixa de apenas consumir um produto e passa a vivenciar a marca como experiência, experimentando-a em primeira pessoa.
No espaço físico, cada detalhe importa. O layout da loja, a disposição dos frascos e a narrativa visual podem seguir a mesma lógica das fragrâncias – por famílias olfativas, notas predominantes ou histórias sensoriais. Assim, o percurso pelo ambiente se torna uma jornada narrativa, conduzindo o visitante pelas diferentes camadas de um perfume: da saída ao fundo.
Mas a oportunidade vai além da estética: o varejo físico pode — e deve — se tornar o lugar onde o consumidor descobre o potencial do layering em primeira pessoa. Estações de experimentação interativa, onde ele possa combinar fragrâncias em tempo real e receber recomendações personalizadas, transformam a visita em um laboratório criativo. Mesas olfativas organizadas por emoções ou moods do dia (energia, introspecção, elegância, conforto) ajudam a traduzir a técnica em experiências acessíveis e inspiradoras. Workshops e microeventos com perfumistas e consultores aproximam o público do processo criativo e reforçam o papel da loja como espaço de aprendizado e descoberta. As possibilidades são infinitas.
Ao assumir esse papel mais ativo, o varejo deixa de ser apenas um ponto de venda para se tornar um palco de expressão e coautoria. Nesse novo cenário, o perfume passa a ser construído e não apenas comprado. Nesse novo contexto, antes vitrine de produtos prontos, o varejo torna-se um espaço vivo onde cada visita convida o consumidor a redescobrir a própria identidade camada por camada — exatamente como as fragrâncias que hoje definem essa nova era da perfumaria.
Seguindo nessa linha, o varejo passa a curar experiências e essa abordagem não só prolonga o vínculo com o consumidor, que retorna para explorar novas combinações e revisitar sua própria assinatura olfativa, como transforma a relação com a marca em algo vivo, mutável e afetivo.
Em um momento onde a perfumaria é cada vez mais sobre personalização, sensorialidade e narrativa, o varejo físico assume um novo papel: o de palco, laboratório e museu olfativo, onde cada visitante é convidado a explorar, criar e se conectar, não apenas comprar.


















